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A CULTURA DAS DIETAS E SUA SAÚDE MENTAL

    Refletindo com base em ciência

    Texto escrito pela nutricionista Patrícia Duarte.

    “A maioria das pessoas obesas não entrará em tratamento para a obesidade. Daqueles que entrarem em tratamento, a maioria não vai perder muito peso e daqueles que perderem peso, a maioria irá recuperá-lo. Muitos vão pagar um preço emocional por tentar ” (STUNKARD, 1975).

    Antes de iniciarmos a explicação para o tema deste artigo, precisamos entender a dúbia interpretação que existe para o conceito de dieta.

    Dieta na atualidade, tem sido interpretada pela maioria de nós apenas com regime, restrição alimentar ou privação auto-imposta com finalidade principal de controlar ou alterar o peso corporal. Assim, nas conversas do dia-a-dia, a mentalidade que se tem sobre dieta é de que é uma prática alimentar que envolve basicamente pular refeições, contar calorias, jejuar, diminuir quantidade total de alimentos ingeridos, restringir grupos alimentares considerados “engordativos”, consumir alimentos diets e/ou lights e todas as outras propostas contempladas em dietas da moda (1). Então, hoje, para se adquirir tal objetivo, as pessoas escolhem uma ou mais condutas destas (quando não tentam quase tudo de uma vez só!), e as praticam pela quantidade de tempo que aguentam.

    Porém, dieta também possui uma interpretação mais simples, que no contexto da ciência da Nutrição é, meramente, o modo de vida alimentar de um indivíduo, o seu hábito alimentar padrão, independente deste configurar um regime ou não, que este é influenciado por aspectos fisiológicos, emocionais e sócio-econômicos.

    No entanto, o primeiro conceito que citei está mais intimamente relacionado ao atual entendimento majoritário, principalmente embasado no que a mídia tem disseminado e supervalorizado sobre o assunto, alienados por um evidente apelo à beleza, que está sujeita à prática da dieta.

    Esta mentalidade tem sido incutida em nossas cabeças ao longo de centenas de anos, acredita? Tem-se relatos históricos que, desde o século X, um médico persa chamado Avicena, já aconselhava os “gordos e doentes” a comer e ajudar o corpo a expulsar a comida pesada com laxantes e exercícios (2).

    Wadd, um cirurgião e médico de ricos, autor de uma pesquisa relativa à obesidade como doença, e que foi publicada em 1810, dizia que, naquela época, comer sabão á noite era um hábito popular para fins eméticos e laxativos (2).

    Um agente funerário, William Banthing, em 1863, foi o primeiro a propor o baixo consumo de carboidratos para o emagrecimento. Depois esta teoria foi abordada por médicos, como Nathaniel Davis, que em sua obra Comida para gordos: tratado sobre a corpulência com dieta para sua cura, afirmou categoricamente que “a pessoa burra, pesada, não intelectualizada ou idiota costuma ser gorda e flácida” (2).

    A partir do século XIX, pesquisas médicas foram formatando um conceito mais científico para as dietas. Mas embora os achados fossem contestando essas práticas de curandeirismo e falácias sem fundamentação científica, eles não conseguiram converter totalmente estas práticas, e elas foram, década a década, se propagando e “pervertendo” conceitos científicos, ao ponto se utilizá-los como base legal para difundir idéias incorretas e elaborar produtos fraudulentos que trazem confusão e distorção de princípios fundamentais da saúde para a população.

    Agora, eu gostaria de lhe incentivar a racionalizar do ponto de vista científico (e um pouco intuitivo também) sobre o que vivemos na atualidade, tendo como apoio esta perspectiva histórica apresentada acima.

    Não é difícil ouvir alguém dizer que a primeira dieta que experimentou funcionou bem e que conseguiu perder o peso que queria. A partir daí, o pensamento gerado de que fazer dieta funciona, faz as pessoas acreditarem que este é o caminho. Então, mesmo que elas re-ganhem todo peso (e às vezes mais!) ao longo de um tempo, isto está registrado em suas mentes: “Não tem problema! Eu posso começar uma dieta a qualquer momento e perder tudo de novo!”.

    No entanto, com o passar das tentativas de redução de peso, as dietas parecem tornarem-se cada vez mais difíceis e complicadas de seguir por muito tempo, então as pessoas ou desistem no meio do caminho, porque parece que o resultado não está valendo o esforço, ou elas fazem até seus limites, perdem algum peso, mas em geral o recuperam completamente depois de algum tempo! As pessoas, então, entram em conflito, pensando que o problema está nelas, que elas que não conseguem, afinal não há nada de errado com a dieta, elas já tinham experimentado resultado com ela!

    Pois bem, eu quero lhe tranquilizar neste momento… Não há nada de errado com você! A ciência explica diversos mecanismos que nos ajudam a entender o porquê as dietas falham, e portanto, o porquê delas não serem a solução para o seu emagrecimento.

    Veja alguns desses mecanismos abaixo:

    • Dietas restritivas negligenciam fatores emocionais, fisiológicos, sociais e econômicos do indivíduo (3-5).
    • Dietas restritivas não respeitam o princípio de individualidade biológica (6).
    • Dietas restritivas podem promover alterações negativas do metabolismo e no gasto energético (7 -12, 22).
    • Dietas restritivas não incentivam a auto-percepção de fome, apetite e saciedade, assim como desregulam mecanismos biológicos relacionados (7, 8, 18, 21, 23).
    • Dietas restritivas podem conduzir ao Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) (13-18).
    • Dietas restritivas distorcem o conceito do que é saudável (19, 20).
    • Dietas restritivas promovem alterações de comportamento emocional, e interferem no bem-estar psicológico (22).
    • Dietas restritivas induzem ao “Efeito Sanfona” (ciclo de perda e re-ganho) (13-18).
    • Dietas restritivas não são sustentáveis a longo prazo (13, 15, 16, 21).
    • Dietas restritivas podem trazer consequências deletérias em um ou mais aspectos da vida do indivíduo (12, 15, 22, 33).
    • Dietas restritivas desconsideram que o ato de comer nem sempre é racional e pragmático (21, 23).
    • Dietas restritivas são desequilibradas e deficientes em nutrientes (19, 20).
    • Dietas restritivas não mudam o comportamento alimentar (21, 24).

    Trocando em miúdos para você, a restrição energética desordenada, seja em calorias totais da dieta ou de um grupo alimentar, NÃO É PARA TODO MUNDO! Funciona? Em parte sim, a curto prazo, mas não é sustentável! Pouquíssimas pessoas conseguem manter este padrão alimentar por muito tempo, seja por escolha ou por demanda, como os atletas, por exemplo. Portanto, não se culpe se você não consegue. É apenas o seu corpo usando de mecanismos instintivos e primitivos de resposta à privação do quanto e do quê ele precisa para viver e se manter saudável!

    Então, se dietas não funcionam, o que eu faço para perder peso?

    Encontre o SEU caminho! Escolha uma forma de se alimentar que seja essencialmente saudável, balanceada e razoável de ser seguida, que não lhe prive completamente de alimentos que você gosta, respeite suas particularidades culturais, sociais, psicológicas e econômicas, e que você consiga praticar, de modo prazeroso, TODOS OS DIAS DA SUA VIDA! Observe-se, conheça-se, trabalhe outros aspectos de sua vida que podem estar alterando de modo negativo sua relação com a comida. Comer deveria ser algo tão natural para nós quanto respirar (25)! Não deveria ser penoso e nem ocupar o centro de nossas atenções diariamente.

    Procure ajuda, se não estiver dando certo fazer sozinho(a), não tem problema! Apenas seja leve, seja feliz!

    “Somos uma cultura em busca da dieta perfeita, e como prova disso há uma porção de pessoas infelizes e inseguras por aí… Precisamos repensar, retomar uma abordagem simples, uma dieta que seja fisiológica e psicologicamente saudável” (“A tirania das dietas”, Louise Foxcroft, Ed. Três Estrelas, 2013).

    REFERÊNCIAS

    1. ALVARENGA, Marle et al. Nutrição Comportamental. Barueri, SP: Manole, 2015.
    2. FOXCROFT, Louise. A tirania das dietas. São Paulo: Três Estrelas, 2013.
    3. KIRK, Sara F. L. et al. Blame, Shame, and Lack of Support. Qualitative Health Research, [s.l.], v. 24, n. 6, p.790-800, 11 abr. 2014. SAGE Publications.
    4. GREANEY, Mary L. et al. Using Focus Groups to Identify Factors Affecting Healthful Weight Maintenance in Latino Immigrants. Journal Of Nutrition Education And Behavior, [s.l.], v. 44, n. 5, p.448-453, set. 2012. Elsevier BV.
    5. Poulain, J. P. Sociologias da alimentação. Florianópolis: Editora da UFSC, 2014.
    6. STUNKARD, A. J. The results of treatment for obesity. New York State Journal of Medicine, p. 79-87, 1958.
    7. KALM, Leah M.; SEMBA, Richard D.. They Starved So That Others Be Better Fed: Remembering Ancel Keys and the Minnesota Experiment. The Journal Of Nutrition, [s.l.], v. 135, n. 6, p.1347-1352, 1 jun. 2005. Oxford University Press (OUP).
    8. DULLOO, A G; JACQUET, J; GIRARDIER, L. Poststarvation hyperphagia and body fat overshooting in humans: a role for feedback signals from lean and fat tissues. The American Journal Of Clinical Nutrition, [s.l.], v. 65, n. 3, p.717-723, 1 mar. 1997. Oxford University Press (OUP).
    9. VAN DALE, D. et al. Does exercise give an additional effect in weight reduction regimens? International Journal of Obesity, v. 11, n. 4, p. 367-375, 1 jan. 1987.
    10. SHETTY, P. S. et al. Postprandial thermogenesis in obesity. Clin Sci (Lond), v.60, n. 5, p. 519-25, may. 1981.
    11. WEYER, Christian et al. Energy metabolism after 2 y of energy restriction: the Biosphere 2 experiment. The American Journal Of Clinical Nutrition, [s.l.], v. 72, n. 4, p.946-953, 1 out. 2000. Oxford University Press (OUP).
    12. CHAPUT, J.-p.; DOUCET, É.; TREMBLAY, A.. Obesity: a disease or a biological adaptation? An update. Obesity Reviews, [s.l.], v. 13, n. 8, p.681-691, 14 mar. 2012.
    13. GARNER, David M.; WOOLEY, Susan C.. Confronting the failure of behavioral and dietary treatments for obesity. Clinical Psychology Review, [s.l.], v. 11, n. 6, p.729-780, jan. 1991. Elsevier BV.
    14. GARNER, David M.; WOOLEY, Susan C.. Dietary treatments for obesity are ineffective. BMJ, v. 6955, n. 309, p. 655-6, 10 sep. 1994.
    15. SUMITHRAN, Priya; PROIETTO, Joseph. The defence of body weight: a physiological basis for weight regain after weight loss. Clinical Science, [s.l.], v. 124, n. 4, p.231-241, 1 fev. 2013. Portland Press Ltd..
    16. OCHNER, Christopher N. et al. Biological mechanisms that promote weight regain following weight loss in obese humans. Physiology & Behavior, [s.l.], v. 120, p.106-113, ago. 2013. Elsevier BV.
    17. MACLEAN, Paul S. et al. Biology’s response to dieting: the impetus for weight regain. American Journal Of Physiology-regulatory, Integrative And Comparative Physiology, [s.l.], v. 301, n. 3, p.581-600, set. 2011. American Physiological Society.
    18. HAWKS, Steven R.; MADANAT, Hala N.; CHRISTLEY, Hillarie S.. Psychosocial Associations of Dietary Restraint: Implications for Healthy Weight Promotion. Ecology Of Food And Nutrition, [s.l.], v. 47, n. 5, p.450-483, 25 set. 2008. Informa UK Limited.
    19. SOUTO, Silvana; FERRO-BUCHER, Júlia Sursis Nobre. Práticas indiscriminadas de dietas de emagrecimento e o desenvolvimento de transtornos alimentares. Rev. Nutr., Campinas, v. 19, n. 6, p. 693-704, nov./dez. 2006.
    20. VIGGIANO, Celeste Elvira. DIETAS DA MODA. Revista Brasileira de Ciências da Saúde, ano III, n. 12, abr/jun. 2007.
    21. STROEBE, Wolfgang et al. Why most dieters fail but some succeed: A goal conflict model of eating behavior.. Psychological Review, [s.l.], v. 120, n. 1, p.110-138, 2013. American Psychological Association (APA).
    22. STRYCHAR, Irene et al. Anthropometric, Metabolic, Psychosocial, and Dietary Characteristics of Overweight/Obese Postmenopausal Women with a History of Weight Cycling: A MONET (Montreal Ottawa New Emerging Team) Study. Journal Of The American Dietetic Association, [s.l.], v. 109, n. 4, p.718-724, abr. 2009. Elsevier BV.
    23. POLIVY, Janet; HERMAN, C. Peter. An evolutionary perspective on dieting. Appetite, [s.l.], v. 47, n. 1, p.30-35, jul. 2006. Elsevier BV.
    24. BERNARDI, Fabiana; CICHELERO, Cristiane; VITOLO, Márcia Regina. Comportamento de restrição alimentar e obesidade. Revista de Nutrição, [s.l.], v. 18, n. 1, p.85-93, fev. 2005. FapUNIFESP (SciELO).
    25. DERAM, Sophie. O Peso das Dietas – Emagreça de forma sustentável dizendo não às dietas! São Paulo: Editora Sensus, 2014.

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